Plínio Gustavo Prado Garcia*
Em defesa da tributação na distribuição de lucros e dividendos pelo imposto sobre a renda, a UNAFISCO publicou Nota Técnica nº 15/2020 (*) sob o título “Tributação da distribuição de lucros e dividendos: a dupla não tributação de parte do lucro distribuído, estimativa arrecadatória da tributação de dividendos e propostas para equilíbrio da carga tributária”.
Desse arrazoado, chegou às seguintes conclusões:
“6. Conclusões:
• O imposto sobre a renda rege-se pelo princípio da universalidade, princípio este que determina que toda renda – produto do capital e/ou trabalho – e acréscimos patrimoniais, devem ser tributados pelo referido gravame16;
• O sistema tributário brasileiro é informado, ainda, pelo princípio da capacidade contributiva, ou seja, aqueles com maior poder econômico devem arcar com uma maior incidência tributária;
• Os lucros distribuídos pelas pessoas jurídicas por meio de dividendos são isentos do imposto sobre a renda, desde a edição da Lei 9.249/1995;
• Parte dos lucros auferidos pelas pessoas jurídicas são duplamente não tributados, em razão de exclusões legalmente previstas (aplicáveis às empresas optantes pelo lucro real) e pelos regimes de tributação do lucro presumido e do Simples Nacional, que reduzem o valor do lucro tributável;
• O lucro distribuível é maior do que o lucro de fato tributado, sendo distribuído aos sócios e acionistas valores que não foram onerados pelo IRPJ e não serão onerados pelo IRPF;
• A possibilidade de outros regimes de tributação, como o lucro presumido e o Simples Nacional, estimulam o fenômeno da “pejotização”, gerando distorções e ocasionando a quebra da neutralidade tributária;
• As escolhas da legislação tributária adotadas no país têm como consequência um aumento na desigualdade de renda e uma relevante regressividade no IRPF – demonstrou-se que as parcelas da população que estão na maior faixa de renda, arcam com alíquotas efetivas de IRPF menores do que as parcelas que se encontram nas faixas intermediárias; 16 Hugo de Brito Machado ensina que o princípio da universalidade diz respeito “(…) ao objeto da tributação, devendo o imposto então recair sobre todos os rendimentos, independentemente da denominação que tiverem, da sua origem, da localização ou da condição jurídica da respectiva fonte”. MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. 5ª ed. São Paulo: Dialética, 2004, p. 156. 19
• A regressividade no sistema tributário brasileiro é agravada pela alta incidência da tributação sobre o consumo, que afeta proporcionalmente mais aqueles que apresentam menor renda;
• A carga tributária brasileira é alta e há consenso entre vários setores da sociedade quanto à impossibilidade de seu aumento. Nessa linha, entende-se que a criação de um imposto sobre dividendos deve vir acompanhada de uma compensação, reduzindo-se a incidência de algum outro tributo;
• Com base nestas premissas, a Unafisco apoia a instituição do imposto sobre dividendos, nos moldes do PL 2015/2019, que apresenta um potencial arrecadatório de R$ 54 bilhões anuais (pelos valores de 2017, e R$ 59,79 bilhões em valores correntes, atualizados pelo IPCA e pelo PIB de 2018 e 2019) – considerando uma sonegação de 27%;
• Como forma de compensação, para que não haja aumento na carga tributária total, propõe-se três medidas possíveis: a) redução das alíquotas do PIS e COFINS, como forma de compensar a medida, reduzindo-se, assim, a carga tributária incidente sobre consumo; b) ajuste, em 103,87%, da defasagem da tabela do IRPF, que contemplaria maior número de contribuintes na faixa de isenção, compensando-se, parcialmente, a perda arrecadatória da medida, com a arrecadação proveniente da tributação dos dividendos distribuídos; ou c) redução na alíquota do IRPJ, em 8,75% – passando a incidir uma alíquota de 16,25% –, o que compensaria o incremento na arrecadação ocasionado pela tributação dos dividendos distribuídos pelas pessoas jurídicas; • O fim da isenção de dividendos tem como objetivo não apenas o mero incremento da arrecadação, mas principalmente a efetivação dos princípios da capacidade contributiva e da isonomia, promovendo-se, assim, a justiça fiscal, e propiciando efeitos positivos para uma melhor redistribuição de renda e da redução das desigualdades.”
INCONSTITUCIONALIDADE
Por mais que pareçam justificáveis esses argumentos a favor da tributação pelo imposto de renda dos lucros quando distribuídos a sócios e acionistas, carecem eles de fundamento constitucional valido.
Não pode haver tratamento tributário mais oneroso ao capital de investimento (investimento direto na integralização do capital social das empresas).quando comparado com o investimento financeiro especulativo no mercado acionário, em bolsas de valores ou fora delas, em empréstimos a terceiros.
Nestes casos, a tributação pelo imposto de renda opera-se no auferimento do ganho da aplicação financeira, e de uma só vez.
De igual modo, sob pena de discriminação inconstitucional, o investimento econômico na integralização do capital social das empresas, com resultado positivo a cada ano, jamais poderia ser submetido à tributação na pessoa jurídica em que se apure esse resultado positivo. O lucro do exercício seria distribuído à pessoa de seus sócios ou acionistas, submetido à tributação na fonte pagadora.
Entretanto, o vigente sistema tributário brasileiro impõe a tributação das receitas auferidas pela pessoa jurídica que as recebam, assim como o levantamento do balanço anual e o recolhimento dos tributos e contribuições aí incidentes (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS).
Ao se pretender a incidência de imposto de renda sobre o lucro distribuído aos sócios ou acionistas, verifica-se que o capital social investido, ao gerar lucro, é submetido a dupla tributação. Diferentemente do que ocorre com o capital especulativo, que nada contribui para a geração de bens ou produtos, nem para o emprego de pessoas físicas, e muito menos para o desenvolvimento nacional.
Há um ‘bis in idem” em detrimento do capital de investimento, no cotejo com o do investimento financeiro especulativo. O efeito econômico desses investimentos, sendo o lucro, não pode ser duplamente tributado. Se o é na pessoa jurídica do investidor (sócio ou acionista), não poderá ser no ato da distribuição dos lucros e dividendos. O efeito será de tributação confiscatória.
Ademais, situações entre si equivalentes não podem ter tratamento discriminatório. Não pode haver discriminação que prejudique o investimento econômico (capital societário) na comparação com o investimento financeiro especulativo. O investimento no capital social das empresas deve ser estimulado por suas próprias razões de interesse social, sem punir-se o investidor quando aufira os lucros a ele distribuídos, depois de tributados no âmbito da pessoa jurídica.
Repita-se: o fisco não pode ser convertido em sócio ou acionista de empresa alguma, pois é mero agente arrecadador de tributos. A ser admitida a tributação pelo imposto de renda da pessoa física dos lucros a ela distribuídas, o fisco passa a ser autor de ato expropriatório. Isso porque essa tributação tem efeito de confisco, fato vedado pela Constituição Federal.
O mesmo valor de investimento (financeiro ou em atividades econômicas) não pode ter tributação que resulte em dupla carga tributária sobre seus resultados. Como a carga tributária do imposto de renda na aplicação financeira ocorre uma só vez e quando auferido aí algum ganho, é discriminatório e inconstitucional que o ganho obtido após a incidência dos impostos e contribuições no âmbito da pessoa jurídica venha a ser tributado na sua distribuição ao sócio ou acionista.
Desse modo, há também ofensa à capacidade contributiva em detrimento de todos quantos façam investimentos em atividades econômicas, caso tenham de arcar com o ônus da incidência do imposto de renda sobre os lucros e dividendos que lhes sejam distribuídos.
Os lucros distribuídos pelas pessoas jurídicas por meio de dividendos não são tributados pelo imposto sobre a renda, desde a edição da Lei 9.249/1995. Seu artigo 10 se coaduna com a vedação constitucional de tributação com efeito de confisco. Assim, tem a eficácia de Lei Complementar à Constituição, não podendo ser revogado por lei ordinária.
O argumento da regressividade da tributação pelo imposto de renda, e o fato de haver elevada carga tributária sobre bens, mercadorias e serviços, não justifica a pretensão de tributar lucros e dividendos na sua distribuição a sócios e acionistas. Que se faça a redução da carga tributária sobre esses bens e produtos industriais e de consumo.
Vejamos o que se pode concluir do ensinamento de Hugo de Brito Machado, citado pela UNAFISCO:
“Hugo de Brito Machado ensina que o princípio da universalidade diz respeito “(…) ao objeto da tributação, devendo o imposto então recair sobre todos os rendimentos, independentemente da denominação que tiverem, da sua origem, da localização ou da condição jurídica da respectiva fonte”. MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. 5ª ed. São Paulo: Dialética, 2004, p. 156. 19”
Ora, esse renomado jurista não está aí defendendo que rendimentos ou lucros já tributados na pessoa jurídica que os aufira devam ser tributados novamente na distribuição aos seus sócios ou acionistas. O efeito de confisco seria o resultado dessa tributação. E isso em nada contribui para o desenvolvimento dos negócios, dos investimentos produtivos, do aumento das oportunidades de emprego e trabalho e do progresso nacional.
Saliente-se, por último, que as recomendações da OCDE favoráveis à tributação da distribuição de lucros e dividendos não se sobrepõem à soberania de seus países associados. No caso brasileiro, às limitações constitucionais ao poder de tributar. E também à soberania dos paraísos fiscais, de baixa ou nenhuma tributação sobre os lucros apurados por sociedades neles constituídas. Quando muito, os sócios ou acionistas dessas sociedades com sede em paraísos fiscais, residentes ou domiciliados fora de sua jurisdição, poderão ter seus lucros e dividendos tributados em seus países como rendimento sujeito à incidência de imposto de renda na declaração. Pelo acréscimo patrimonial. Já quanto àqueles que sejam tributados no país de origem, para que não venham a sofrer nova tributação de imposto de renda, cuidam os Estados soberanos de firmar entre si tratados para evitar a dupla tributação sobre um mesmo ganho decorrente da distribuição de lucros e dividendos.
Por essas e outras razões, Prado Garcia Advogados se põe diametralmente contra a tributação de lucros e dividendos na sua distribuição a sócios e acionistas. E recomenda a leitura de artigo em que este autor aponta os motivos pelos quais espera a rejeição do substitutivo apresentado pelo deputado federal Celso Sabino ao PL 2337/21, ora em tramitação na Câmara Federal, ao menos quanto a essa descabida tributação.
* Ver: https://unafisconacional.org.br/wp-content/uploads/2020/09/Nota-Tecnica_Tributacao-Lucros_Dividendos.pdf
* O autor é advogado. Formado pela USP 1962. Mestrado de Direito Comparado – Prática Americana pela George Washington University – National Law Center, de Washington D.C. (1972). Ex-professor de Direito Civil e Tributário (UNI-FMU e Universidade São Judas Tadeu). Especialista em Direito Constitucional, Direito Tributário, Direito Ambiental e Minerário, articulista. Titular desde 2005 do blog “locuslegis.blogspot.com.br”). Comentarista. Parecerista. Consultor de empresas. É sócio fundador de Prado Garcia Advogados.