Plínio Gustavo Prado Garcia*
Como noticiado em 8 de janeiro de 2014, o governo federal concordou em ampliar o prazo do REFIS – programa de parcelamento de débitos de Imposto de Renda e da Contribuição social sobre o Lucro Líquido (CSLL) – para o que considera como dívidas vencidas em 2013, de empresas brasileiras relacionadas com suas controladas ou coligadas no exterior.
Este articulista – como advogado atuante em questões tributárias e internacionais – vê nessa iniciativa do governo uma armadilha. Lembra aqueles desenhos animados em que se oferece ao coelho uma cenoura, com uma mão, enquanto com a outra, se segura o porrete que vai abatê-lo.
A empresa brasileira que aceitar essa “cenoura” estará automaticamente sujeita a receber o golpe do porrete arrecadatório dai para adiante, a cada ano, sempre que sua controlada ou coligada no exterior vier a apurar lucro.
Sabe-se que o governo brasileiro é pautado por uma mentalidade altamente arrecadatória, e, nessa busca por arrecadação sem fim, sempre crescente, nada tem de democrático, em que pese o fato de nossa Constituição Federal realçar o Estado Democrático de Direito.
Uma das regras mais comezinhas do Direito Internacional é o respeito à jurisdição de cada País.
No caso das controladas e coligadas no exterior, de empresas brasileiras, essas controladas e coligadas não se acham sujeitas à lei brasileira.
Pouco importa que tenham como sócios ou acionistas empresas estabelecidas e com sede no Brasil, e que estes possam ter o total controle acionário daquelas.
O que importa é o respeito à soberania de outros Estados, como esperamos que esses outros Estados venha a respeitar a soberania do Estado brasileiro.
Ademais, o que importa, também, é respeitar os Estatutos Sociais dessas coligadas ou controladas no exterior sobre os poderes de sua Assembléia Geral quanto às deliberações que acarretem ou não a distribuição dos lucros apurados em determinado exercício fiscal, e se esses lucros serão distribuídos a seus sócios ou acionistas, ou, inversamente, se não haverá essa distribuição, mas, sim, se ficarão em suspenso ou se serão reinvestidos na própria coligada ou controlada.
Pondere-se ser soberana a decisão dos sócios ou acionistas quanto ao destino a ser dado aos lucros apurados em balanço em qualquer sociedade empresária.
Não existe nem pode existir no Direito brasileiro a figura da presunção de distribuição. Ou há esta, ou não há.
Além disso, nenhuma lei impõe ou pode impor aos sócios ou acionistas de empresas estabelecidas no Brasil a distribuição automática de lucros apurados em balanço anual. Essa prerrogativa é exclusiva desses sócios ou acionistas por meio de deliberação formal adotada conforme os parâmetros de seus Estatutos Sociais ou Contratos Sociais.
O argumento do governo brasileiro – na sua sanha arrecadatória e de sobrepor sua vontade à vontade desses sócios ou acionistas de controladas ou coligadas no exterior – baseia-se no argumento de que teria de tributar como distribuídos aos sócios e acionistas no Brasil o lucro apurado em suas controladas e coligadas no exterior – mesmo sem ocorrência dessa distribuição – pois se não adotar a figura da distribuição ficta, esses lucros talvez nunca venham a ser efetivamente distribuídos e talvez jamais cheguem aos cofres e bolsos dos acionistas ou sócios brasileiros.
Por verdadeiro que possa ser esse entendimento, ninguém é obrigado a fazer ou não fazer algo, a menos que obrigado esteja por lei. Mas para que a obrigação seja válida, é necessário também que a lei não padeça de inconstitucionalidade.
Vale dizer: nossos direitos não são apenas os direitos decorrentes da lei, mas, também e principalmente, aqueles que decorrem das garantias e dos fundamentos da Constituição da República.
No caso presente, a Medida Provisória 627 de 2013, que ampliou o prazo de adesão ao Refis da Crise, de 2009, – e voltando à figura do coelho, da cenoura e do porrete – a cenoura seria a exclusão ou eliminação de multas e outras cominações para as empresas que viessem a aderir ao Refis, aceitando recolher o IR e a CSLL sobre lucros apurados em suas coligadas ou controladas no exterior.
Esse “atrativo” foi mantido na Lei 12.973/2014, resultante da conversão da MP 627/2013, com as alterações nela introduzidas.
Pois bem. Daí para diante, nos exercícios futuros, essas empresas brasileiras ficariam vinculadas a anteciparem o recolhimento de IR e CSLL sobre lucros apurados em suas coligadas ou controladas no exterior, como se distribuídos houvessem sido por decisão de seus sócios ou acionistas.
Ora, isso acarreta nítidos prejuízos aos negócios das empresas brasileiras e à sua expansão internacional. É sabido que o reinvestimento de lucros apurados nas empresas não se submete a tributação na pessoa de seus sócios ou acionistas. Se passar a ocorrer, isso implicará menos recursos financeiros para essas expansões. Ademais, lucros a serem distribuídos já são o resultado do balanço após a tributação na pessoa jurídica que os gere. São lucros líquidos.
Nossa Constituição garante o direito de ter ou manter recursos financeiros, bens patrimoniais e direitos no País ou no exterior. Não contém obrigação de repatriar esses recursos, bens e direitos.
Já, no princípio adotado na legislação brasileira de “tributação universal” da renda e dos proventos de pessoas residentes no Brasil (brasileiros, estrangeiros e pessoas jurídicas aqui radicadas) o Imposto de Renda pode alcançar, como alcança, o acréscimo patrimonial auferido no exterior.
Mas não há acréscimo patrimonial “auferido” no exterior, quanto às controladas e coligadas que apurem lucros em seus balanços, para seus sócios ou acionistas, enquanto não venham estes a ter a disponibilidade econômica ou jurídica desses lucros. Lucro não distribuído é lucro ainda não auferido.
Pessoas físicas brasileiras sócias de empresas no exterior
Cabe aqui mais uma advertência: a Lei 12.973/2014 (resultante da MP 267/2013) passa a exigir o antecipado recolhimento de IR/Carnet Leão, pelas pessoas físicas que detenham participações em controladas e coligadas no exterior. Mesmo que não tenham sido formalmente distribuídos os lucros nelas apurados em balanço anual.
Por todos esses e outros motivos, fica aqui a recomendação deste articulista às pessoas físicas e jurídicas no sentido de não aceitarem a “cenoura” oferecida na reabertura do Refis da Crise e de se oporem à tributação antecipada sobre lucros não recebidos no exterior, gerados nas suas coligadas ou controladas lá estabelecidas.
Há fortes fundamentos jurídico-constitucionais para a prévia proteção desses direitos dos sócios e acionistas com controladas ou coligadas no exterior. A defesa desses direitos deve, preferencialmente, estar amparada por ação judicial preventiva contra a Fazenda Nacional (União Federal), sem prejuízo de ser realizada por meio de enfrentamento na via administrativa ou mesmo executiva (judicial) se já houver autuações fiscais cobrando o que consideramos indevido