Plínio Gustavo Prado Garcia*

O Homem (ser humano) é parte indissociável do meio ambiente. Nosso ambiente é o planeta Terra. Não vivemos, ainda, fora dele.

Nosso planeta não é estático nem imutável. Os desastres naturais estão aí para provar isso.

Dessa maneira, o Homem não só vive na natureza como intervém na natureza.

Toda intervenção humana na natureza, no meio-ambiente, ocasiona alterações ambientais.

Essas alterações podem ser graduadas por níveis de classificação.

No primeiro nível, está a intervenção necessária. 

Num segundo nível, a intervenção conveniente.

Em terceiro, a intervenção abusiva, geradora ou não de danos ambientais, que, ocorrendo estes, poderão ser sub-classificados em danos reparáveis e danos irreparáveis ou de difícil reparação.

Em quarto, a intervenção recuperadora do ambiente, em face das alterações nele ocorridas ou dos danos nele produzidos.

intervenção necessária é consequência da simples presença do Homem no planeta Terra.

O Homem já tinha direito a um teto, desde quando habitava em cavernas. Mesmo nas cavernas, fazia ele interferências ambientais. O aglomerado humano produz as comunidades. As comunidades exigem lugar no espaço terrestre. E, assim por diante, na construção das cidades e de suas utilidades inerentes à vida moderna, à locomoção, à produção industrial, rural, de bens e serviços, à construção de fábricas, de usinas de energia etc.

A mera colonização do Brasil é exemplo típico de intervenção humana no meio-ambiente. Caso que se caracteriza como intervenção senão necessária, ao menos conveniente.

Não é preciso dizer que essa intervenção resultou na derrubada de florestas, na alteração do solo, da superfície, de rios, de córregos ao longo dos séculos. Resultou, também, no que temos hoje, em termos de vida moderna, com seus valores e desvalores, com seus benefícios e malefícios.

Se a preservação do Planeta constitui um requisito indispensável, o é, exatamente, em razão da própria preservação da bio-diversidade, da qual é o Homem parte integrante e indissolúvel.

Em certo sentido, poderíamos dizer que, enquanto Homo Sapiens, o Planeta existe para lhe dar guarida, como a tudo o mais que nele exista.

Vivemos, atualmente, sob o signo do ambientalismo.

O ambientalismo passou, entretanto, a ser mais do que um movimento de preservação da natureza, na medida em que se esquece de um fator preponderante: do bicho Homem. Expressão, aliás, cunhada por meu saudoso irmão, Dr. João Batista Prado Garcia, em matéria já publicada na imprensa, nos idos de 1980 e 1990.

Vivemos, hoje, sob o ambientalismo exacerbado, como se nada pudesse o Homem fazer na natureza e como se tudo que faça o Homem na natureza haja de ser condenado, reprimido e punido. Inclusive com penas privativas da liberdade.

Já diziam os romanos: “Virtus in medio”. A virtude está no meio termo. No ponto de equilíbrio.

De igual modo, o constitucionalismo norte-americano desenvolveu o conceito de razoabilidade, inerente ao devido processo legal substantivo (a cláusula “due process of law”) para coibir os abusos da lei ou a abusiva aplicação de lei.

Diante disso, nos vemos compelidos a sustentar uma linha de raciocínio pautada pela necessidade de equilíbrio nas análises e nos julgamentos relacionados com alegadas infrações ambientais em cada caso concreto.

Sim, não há de se julgar “in abstrato”, o que deva ser analisado, ponderado e julgado “in concreto”.

Uma intervenção ambiental, ainda que aparentemente em desacordo com a lei, nem sempre será intervenção ambiental danosa ao meio-ambiente. Danosa, evidentemente, seria uma intervenção como a da mineração de ouro em águas fluviais, não em razão da mineração si mesma (dado que a mineração constitui um dos casos de intervenção ambiental necessária e também conveniente ao ser humano), mas em consequência do uso de mercúrio na busca do ouro, quando esse metal pesado seja ali usado. Teremos, nessa hipótese, um dano ambiental irreparável ou de difícil reparação.

De igual modo, é impossível a mineração de cava ou mineração a céu aberto sem eliminação da cobertura vegetal. Caso típico de intervenção necessária e conveniente, que não impede, entretanto, a posterior recuperação ambiental. Logo, a intervenção subsequente, será uma intervenção reparadora, uma intervenção objetivando recuperação ambiental, nas linhas do plano a ser aprovado junto aos órgãos de controle do meio-ambiente.

Medidas administrativas e mesmo judiciais em defesa do meio-ambiente devem seguir os devidos trâmites legais, sem prejuízo do direito ao contraditório e à ampla defesa das pessoas físicas e/ou jurídicas autuadas ou processadas.

Não basta, assim, alegar a ocorrência de intervenção ambiental por qualquer dessas pessoas, mas de intimá-las a dar as devidas explicações sobre a natureza e o caráter da alegada intervenção.

Pondere-se que nem toda intervenção no meio-ambiente deve ser impedida ou punida. Mormente quando se esteja diante de uma intervenção humana que busque corrigir não só desvios da própria natureza como de atos humanos anteriores.

Casos típicos são aqueles em que o “interventor” trata de sanar alterações ambientais produzidas por pessoas físicas ou jurídicas que hajam ocupado determinada área rural ou mesmo urbana.

Casos há em que tais intervenções, que chamaríamos de benéficas, tenham sido empreendidas “à margem da lei”, por falta de prévias licenças ambientais.

Entretanto, o que há de ser ponderado como fator mais importante, não será a falta de tais prévias licenças, mas o que efetivamente veio o “interventor” a realizar na área ou nas áreas em questão, já em termos de recuperação ambiental. Ou que, ainda, possa realizar.

Outro ponto a ser levado em conta: qual o tamanho da área total e qual o tamanho da área sobre a qual paire alegação de intervenção ambiental (comumente já alcunhada de “dano ambiental”). Digamos que a área em questão represente cerca de 10% (dez por cento) da área total da propriedade. Que a alegação seja de ocorrência de intervenção ambiental nessa área menor; que tenha havido ali impedimento de regeneração florestal, desvio de cursos d’agua, ou mesmo algumas edificações. A isso, respondemos: Não estaria essa mesma acusação contra o “interventor” a admitir que esse mesmo “interventor” mantém preservados os 90% (noventa por cento) restantes da área em questão? Estaria essa acusação considerando o que tenha esse “interventor” efetivamente realizado em termos de recuperação e preservação dessa área toda?  Mais ainda quando mais de 20 anos se tenham passado desde quando os atos de recuperação ambiental da “área degradada” tiveram início? Anos durante os quais o “interventor” veio suportando, com seus próprios recursos, e às suas próprias custas, todos os encargos dessa recuperação da “area degradada” e dos outros 90% da área?  Não seria o caso, como acontece nas propriedades situadas junto às nascentes do rio que abastecesse a cidade de Nova York, de ser esse “interventor” remunerado pelos cofres públicos por esses atos de recuperação e preservação da natureza? Desde quando se pode exigir do proprietário ou do possuidor que arque com os custos de manutenção de uma propriedade sem que dela possa, ao menos obter parte desses mesmos recursos financeiros?  Se um meio de buscar esses recursos for através da locação de seu espaço para “festas no Sítio”, sem acesso a público pagante, mas com acesso apenas a convidados do “locatário”, não será isso equiparável ao ato do proprietário de uma casa de praia que loque seu imóvel para veranistas em temporadas de verão?

Fala-se, muitas vezes, em que este ou aquele lugar são áreas de preservação permanente. O que, efetivamente, não significa áreas impedidas de serem usadas. Caso contrário, teríamos uma situação de desapropriação indireta. Mais relevante deve ser verificar se os atos praticados pelo proprietário ou possuidor da área são ou não compatíveis com seu devido uso. Assim, pode haver situações em que esses atos sejam prejudiciais ao meio-ambiente. Outros, entretanto, poderão demonstrar, isto sim, que a área se encontra sob constantes atos de preservação permanente por parte desse proprietário ou desse possuidor, ainda que dela um ou outro faça uso.

Esse uso pode até mesmo estar caracterizado pela presença de algumas edificações no local. Mas é necessário distinguir se tais edificações, por si mesmas, ou pelas atividades nelas exercidas trazem algum prejuízo ou dano ao ambiente. Há edificações neutras, nesse sentido, e outras que podem ter um potencial lesivo ou danoso ao ambiente. Se não se encontram presentes, em cada caso, esses efeitos lesivos ou danosos ao ambiente, deve-se suportar a presença, ali, dessas edificações.

Caso típico de edificações em áreas próximas a cursos d’água ou que sejam atingidas pelas águas nas cheias dos rios são as palafitas onde residem ribeirinhos na Amazônia. Deveriam ser demolidas, tão só por isso?

Ademais, nem todo ato de intervenção ambiental implica poluição. Logo, não se pode empregar o termo “poluidor” para quem não esteja poluindo o ambiente. Assim, o agente de uma intervenção no meio-ambiente (“interventor”) não será, necessariamente, um “poluidor”.

Em suma, cada caso é um caso. A lei não pode fazer tábula raza. Lei aplicada com desprezo aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade é lei aplicada sem justiça, sem equilíbrio, com abuso de poder e irracionalidade. Nessas hipóteses, o problema não está, necessariamente, na lei, mas no modo pelo qual pretenda a autoridade administrativa aplicá-la ou esperar que venha o juiz a assim aplicar.

Reiterando: a virtude está no meio termo. Por isso mesmo, a Justiça tem, como símbolo, a balança. E esta, o seu fiel, a exigir o equilíbrio nas decisões humanas.

*Plínio Gustavo Prado Garcia, advogado, professor de Direito Civil e Direito Tributário, Mestre em Direito Comparado pela GW. University de Washington, DC,  palestrante e conferencista, é sócio fundador de Prado Garcia Advogados, www.pradogarcia.com.br – e-mail: advocacia@pradogarcia.com.br)

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