Plínio Gustavo Prado Garcia

A Constituição Federal de 1988 reafirmou no artigo 156 a competência dos Municípios para instituir imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana.

No contexto da política urbana e das exigências fundamentais de ordenamento da cidade, determinou a adoção de um plano diretor, obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes.

Facultou ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento. A pena por descumprimento da exigência se inicia com a obrigatoriedade de o proprietário promover o parcelamento ou a edificação no terreno urbano. Não atendida a exigência, fica o proprietário sujeito à incidência do IPTU progressivo no tempo e, por fim, a desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

Como se vê, o descumprimento da função social da propriedade territorial desencadeia uma série de sanções contra o proprietário.

Todavia, como a espécie tributária denominada imposto não constitui sanção por ato ou omissão do sujeito passivo, fica evidente que a pena consistente em IPTU progressivo no tempo é adjeta ao imposto, como sanção extrafiscal. Mas por ser progressiva no tempo e como o IPTU é imposto de incidência anual, essa pena pecuniária não pode ser tratada senão como um percentual crescente, a cada ano, computado sobre o montante do imposto apurado sobre o valor venal do terreno urbano tributado pelo IPTU.

Todavia, se para a exigibilidade do IPTU basta a notificação do lançamento enviada ao sujeito passivo da obrigação tributária, não será possível agravar automaticamente o valor do IPTU, a ele acrescentando pena pecuniária relacionada com suposto descumprimento da função social da propriedade.

É requisito constitucional e legal que ninguém seja compelido a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa, sem prévia lei. Fazer ou deixar de fazer, no contexto da função social da propriedade é algo que não prescinde da prévia notificação do suposto infrator. Essa prévia notificação deve indicar no que consistiria a alegada infração, de modo a garantir ao notificado o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Isso significa que são inválidas e inconstitucionais as disposições de lei municipal que imponham, automaticamente, junto com o valor do IPTU valor adicional lançado a título de pena por não cumprimento da função social da propriedade.

Fica, aqui, evidente que a progressividade do IPTU é instrumento político de caráter parafiscal. Não se confunde com o próprio lançamento desse imposto. É um “plus” que se lhe acrescenta, sem que esteja relacionado com o fato jurídico ensejador do próprio lançamento desse imposto municipal anual.

Diferentemente do IPTU progressivo no tempo, defendem os Municípios, com intuito meramente arrecadatório, a imposição de alíquotas progressivas desse imposto, levando-se em conta o tamanho de sua base de cálculo. Isto é, as alíquotas crescem à medida que cresce, também, o valor venal do imóvel. Isto é, o valor venal do terreno, se não edificado, e o valor venal do terreno com edificação, quando existente esta.

Os defensores da progressividade de alíquotas do IPTU costumam falar em justiça fiscal para exigir maior extração pecuniária daquele que seja proprietário de imóveis de maiores valores venais.

Alegam suposta necessidade de igualdade de tratamento, como que a tributar mais, quem mais tenha, e menos, quem menos tenha.

Para superarem a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal contrária às leis municipais instituidoras da progressividade de alíquotas do IPTU, prefeitos municipais interessados em maior arrecadação e políticos com visão ideológica avessa ao direito  de propriedade fizeram alterar a Constituição Federal, por meio da Emenda Constitucional 29, de 2000.

Por força dessa Emenda à Constituição, veio a ser introduzido no artigo 156 da Carta Federal um §1º, cujo inciso I permite seja o IPTU progressivo em razão do valor do imóvel, ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.

Temos sustentado que essa Emenda à Constituição padece de nulidade material, de vez que apenas constitucionaliza uma inconstitucionalidade, pois o IPTU é imposto de natureza estritamente real, não pessoal.

Exatamente por esse fato, mas não apenas por esse fato, não é difícil constatar os motivos pelos quais o IPTU não pode ter caráter progressivo, fora do contexto da função social da propriedade urbana. Ou seja, fora do contexto parafiscal do tributo.

A alegada justiça fiscal aplicada ao IPTU conduz, isto sim, à discriminação entre contribuintes em situações econômicas iguais. Basta ver que a progressividade fiscal do IPTU por meio de alíquotas progressivas ofende o princípio constitucional da proporcionadade, inerente ao devido processo legal no seu contexto material.

Não é justo impor a um proprietário de um único imóvel urbano no valor venal, digamos, de R$ 1.000.000,00 alíquota de IPTU de 2%, e impor a um proprietário de dez imóveis no valor venal cada, digamos, de R$ 100.000,00 alíquota de 1%. Como se vê, sendo ambos detentores de um patrimônio imobiliário de R$ 1.000.000,00, estarão, assim, sendo tratados diferenciadamente pela incidência do IPTU com alíquotas progressivas.

Ora, repita-se, o IPTU, por ser um imposto real, que recai sobre a coisa tributada, não pode servir de instrumento arrecadatório ofensivo à proporcionalidade e à capacidade econômica e contributiva de seus sujeitos passivos.

Por ser um imposto real, tributado pelo IPTU deve ser o imóvel urbano pelo seu valor venal e por alíquota única e fixa. No assim ser, não se discrimina entre os contribuintes. Não se ofende sua capacidade contributiva. Não se instituem privilégios. Respeita-se a proporcionalidade, princípio constitucional que permite tributar sem discriminar, enquanto o critério da proporcionalidade discrimina ao tributar.

Quando defendo a aplicação de alíquota única para o IPTU, não afasto a possibilidade de haver isenções e limites de isenção para esse imposto, levando-se em conta imóveis destinados a moradias populares.

O que não pode haver é a imposição de alíquotas progressivas ou seu disfarce mediante a utilização de esquemas em que a lei estabelece uma alíquota fixa elevada e “concede” descontos tanto maiores quanto menores forem os valores venais dos imóveis urbanos tributados. Isso será progressividade de alíquotas, na realidade, ainda que possa assim não parecer.

Considerando, ainda que o IPTU é imposto de competência municipal, não faz sentido ter alíquotas diferentes de acordo com a localização do imóvel. Ora, todo imóvel a ser tributado pelo IPTU está dentro do Município correspondente.  Da mesma maneira, é descabida a autorização dada pela EC 29/2000 ao Município para impor alíquotas diferentes de IPTU em razão do uso dado ao imóvel.

Se, de um lado, é possível conceder isenções ou descontos a imóveis residenciais, tomando-se como base a existência de alíquota única de IPTU, de outra parte não se justifica punir qualquer atividade econômica que exija o uso de imóvel urbano pela imposição de alíquotas diferentes de IPTU. A atividade econômica é inerente ao convívio social e há de ser exercida a partir de um ponto fixo, qual seja, o estabelecimento empresarial que, necessariamente, estará situado no âmbito de um Município.

Assim, também nesse particular, o IPTU não pode ser empregado como instrumento de discriminação entre contribuintes que se encontrem em igualdade de situação, mais ainda quando esse imposto incide sobre o imóvel urbano e não sobre a atividade nele exercida ou o uso a ele dado.

Em suma, não se pode constitucionalizar uma inconstitucionalidade, mesmo que isso se pretenda ou seja feito por meio de Emenda à Constituição.

A Emenda Constitucional 29/2000 é, portanto, materialmente inconstitucional. O inciso §1 do artigo 156 da Constituição Federal, ali introduzido por essa Emenda 29, amplia a hipótese material de incidência do IPTU, contida no “caput” desse mesmo artigo. O que é vedado por Lei Complementar à Constituição.

Logo, o IPTU continua sendo imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, para o que basta a aplicação de alíquota única sobre o valor venal do imóvel (sua base de cálculo), com respeito, assim, ao princípio constitucional da proporcionalidade, que não pode ser contrariado por meio de alíquotas progressivas. E continua sendo imposto real, em que se faz irrelevante o uso a ele dado, pois tributado é o imóvel e não o uso que dele se faça.

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