Plínio Gustavo Prado Garcia
Como é de conhecimento público, discute-se no Plenário do Supremo Tribunal Federal se a isenção da COFINS, advinda do art. 6o., II, da Lei Complementar 70/91, foi validamente revogada pelo art. 56 da Lei 9.430/96, em relação às sociedades civis de prestação de serviços de profissão legalmente regulamentada.
O julgamento do tema vincula-se a dois recursos extraordinários (RE 377457/PR e RE 381964), ambos sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes. Por pedido de vista do Ministro Marco Aurélio, o julgamento foi suspenso. E, ante o número de votos (8) contra o provimento desses recursos e apenas um a favor das sociedades recorrentes, se poderia dizer que a questão estaria encerrada.
Na verdade, a questão talvez pudesse ser considerada encerrada para essas duas recorrentes, mas não, necessariamente, eis que, inobstante improvável, poderão os senhores Ministros reconsiderar seus votos diante do que venha o Ministro Marco Aurélio a argumentar e fundamentar no seu voto, após esse pedido de vista.
Vamos supor que, ao final, essas duas sociedades recorrentes saiam perdendo, no encerramento da votação de seus recursos no Supremo. Tal desfecho as impediria de voltar à carga em processo novo contra a COFINS dessas sociedades profissionais? Prejudicaria outras sociedades profissionais de profissões legalmente regulamentadas? E se o inverso vier, finalmente, a ocorrer, isto é, e se os Ministros do Supremo, reconsiderando seus votos contra as duas recorrentes, vierem a prover seus recursos extraordinários?
Não podemos nos esquecer do brocardo latino “tantum devolutum quantum apellatum”. Isso significa que o Juiz e o Tribunal só julgam o que lhes foi pedido. E a partir dos fatos e fundamentos da ação. Fato novo ou fundamento não suscitado em ação anterior não impedirão nova ação sobre o mesmo tema. No caso, se a COFINS pode ou não ser exigida dessas sociedades profissionais.
Pelo que se noticia, nesses dois recursos extraordinários em julgamento no Plenário do Supremo Tribunal Federal, as sociedades recorrentes sustentam violação ao princípio da hierarquia das leis (CF, art. 59) ao argumento de que lei ordinária (art. 56 da Lei 9.430/96) não poderia revogar isenção concedida por lei complementar (art. 6o., II, da Lei Complementar 70/91), e que, assim, teria ocorrido uma instituição disfarçada de nova hipótese de contribuição social, sem atendimento à exigência constitucional de lei complementar para tratar da matéria (CF, art. 149, c/c art. 146, III).
Assim, se seus recursos extraordinários forem, finalmente, improvidos, que conclusão se poderá tirar? Que a isenção foi revogada? Que se tratava de isenção mesmo, e não de hipótese de não incidência da COFINS? Ou não significará essa decisão do Supremo, no caso, apenas um entendimento de que não houve a alegada violação ao princípio da hierarquia das leis nem instituição disfarçada de nova hipótese de contribuição social.
Note-se, entretanto que, sob um outro ângulo, a questão poderia ser decidida a favor de tais sociedades profissionais: pela invocação do princípio constitucional da segurança jurídica, na medida em que uma lei ordinária, com quorum menos elevado, não poderia tirar o que uma lei complementar, com quorum mais elevado, veio a conceder.
Assim, põe-se de lado a discussão em torno do tema da hierarquia das leis e de se a lei teria de ser lei ordinária ou lei complementar (visto isso pelo ângulo de sua materialidade), para resolver-se o dilema a partir de um outro critério jurídico-constitucional: o teste ou critério da segurança jurídica que advém da opção do legislador por legislar, no caso, por meio de uma lei complementar. Aí, nessa opção, pouco importa se a Constituição impõe ou não lei complementar ou lei ordinária para dispor sobre o tema.
Ora, adotada pelo legislador, por meio de lei complementar, a isenção ou não incidência a favor das referidas sociedades profissionais, fica evidente o direito de tais sociedades de invocarem a seu favor o princípio constitucional da segurança jurídica para fazerem prevalecer a isenção (ou não incidência) prevista no art. 6o. II, da Lei Complementar 70/91 sobre sua suposta revogação pelo art. 56 da Lei (ordinária) 9.430/96.
Como se vê, a questão ainda não se pode dizer encerrada.
Mas, encerrada estará, e a favor de todas essas sociedades profissionais que buscarem seus direitos perante o Poder Judiciário, se a decisão final nos dois casos ora em julgamento favorecer as empresas recorrentes. Mesmo porque os argumentos jurídicos da Fazenda Nacional (União Federal) se cingem, exatamente, à alegação de inexistência de hierarquia entre lei complementar e lei ordinária, quando, na verdade, a questão gira, antes de tudo, na quebra da segurança jurídica quando uma lei ordinária dispõe sobre tema resolvido e votado por meio de lei complementar. Ora, o quorum especial é da essência da lei complementar. E, nesse ponto, pelo ângulo da segurança jurídica, há, sim, hierarquia entre lei complementar e lei ordinária, em razão da opção feita pelo legislador por deliberar por meio da primeira em tema que favoreça o contribuinte, isentando-o de determinado tributo.
Assim, uma não-incidência ou uma isenção deliberadas por meio de lei complementar não poderão ser retiradas ou revogadas senão por lei complementar. Mas nada impedirá que uma isenção seja concedida por lei ordinária, e por lei ordinária, também, vir a ser revogada. Nestes dois últimos casos, o nível de segurança jurídica do contribuinte se põe em plano mais baixo do que o da segurança jurídica resultante de um quorum especial de votação. Sem nos esquecermos de que um projeto de lei já se distingue desde sua proposição: ou já é proposto como projeto de lei complementar ou o é como projeto de lei ordinária. Logo, já de início se distingue a intenção do legislador quanto ao nível de segurança jurídica que quer atribuir à matéria a ser legislada. Só quem tem o poder de dar, tem o poder de tirar. Quorum especial para conceder exigirá quorum especial para retirar.
Como se vê, o tema comporta, ainda, novos embates judiciais.